terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Passarinho

Passarinho acordava cedo, todo dia passarinho no breu que antecede a alvorada. Passarinho cantava alto, passarinho berrava boas vindas ao sol que ainda nem se mostrara. Passarinho sentia a quentura do sol antes de todo mundo, e passarinho arrastava o sol pra mais perto com a sua música, pra que todo o resto do mundo sentisse o calor do sol. Passarinho começou a trabalhar cedo, pra tampar o buraco que a chuva fez na casa de passarinho. Pegou galho por galho, o passarinho, teve paciência, no remendo da casa de passarinho. Passarinho voltou e alimentou os filhos, passarinhos que ainda não tinham suas responsabilidades. Mãe passarinho cuidou dos filhos, mas mãe passarinho estava velha demais e morreu. Os passarinhos se alimentaram da mãe, e houve briga de passarinhos na ânsia pela vida. Passarinho ficou forte com carne de mãe e voou, longe e alto o passarinho, que alimentou-se de mãe para a vida alimentar-se de passarinho.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Consciência


Sabe o que é perder a inocência sobre si mesmo?
Seu eu consciente, de repente, descobre tudo sobre você. De repente, você toma consciência de tudo que é capaz, tal como todas as suas restrições. É quase um estupro. Mesmo aquilo que você não queria conhecer sobre si mesmo vem a tona, a decepção se torna dolorosa quando não há mais mistério algum. Sua alma fica nua e você sente-se envergonhado daquilo que vê. Tenta se envolver em trapos sujos, se sente observado e acuado num cantinho, tentando se manter ainda digno depois de todo o turbilhão. Você tenta manter a postura e parecer menos óbvio, controlando cada sutil movimento do seu corpo e da sua mente. Começa a observar os outros para ver se são tá falhos e vulneráveis quanto você. E isso é bom, é quando você descobre o ser humano. Mas não tratemos aqui a humanidade, mas o indivíduo singular. Não toda e qualquer individualidade, mas o eu. A minha vida, agora, perdeu-se todo encanto. A magia se esvaiu e eu não vejo como obtê-la de volta; meu motivo para pulsar. A inteligência e a plena consciência de mim mesma são barreiras para o sonho. Afinal, de que vale mais sonhar com reinos encantados do que com a porta de um escritório? A palavra consciência (sei que a utilizei muitas vezes, mas é crucial compreendê-la) nos permite ver as coisas como são. Sem floreios nem enfeites. Uma casa apenas com seus alicerces e tijolos, um quadro em que não se distinguem as cores, mas sua moldura e o material da tela. Não há desing. Um ser humano e suas ideias mais íntimas, seus segredos expostos como anúncios em revistas. Não há epiderme, há ossos, quiçá músculos. E por mais que essa consciência só esteja visível a você incomoda, aflige.

Sede de Vivência



Tenho uma necessidade de passar por experiências, adquirir conhecimentos e compartilhá-los quando for plausível. Um desejo desesperado, e contido, de poder ser acima e além de tudo; eu. Aquela história do querer ser eu sem condições, segundo Pessoa. Pensar que sou livre, e não me importar com a tênue linha tortuosa do meu comportamento sobreposta a rígida e impassível linha da moral que me foi imposta desde criança. Fica lá aquela linha, velha e dura, com ar de quem está sempre certa e não aceita divergências quanto aquilo que a rege. Tenho vontade sabe de que? Pegar essa linha, amassá-la, brincar com ela e depois fazer um laço que me enfeite o cabelo. E com a moral desse jeito, moldada a meu mercê, para o meu divertimento, aí sim, eu ia sair e viver, sem aquela dura me olhando de lado, porque ela estaria do meu lado, e aquela velha opinião seria posta de lado. O problema é que eu não quero problema. Eu tenho preguiça demais, e moldar aquela linha dura num laço que me enfeite e me divirta é muito difícil.