quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Meu pior inimigo


Sinto no peito meu um vazio
Tudo tão tangível e tudo tão inalcançável!
Lágrimas me embebem os olhos
Num dia calmo de verão.

Sofro por que, sofro por quem
Se não por mim mesmo e minhas incontáveis falhas?
Porém sofro e não posso conter.

A tristeza toma-me, em corpo e alma
Passa por minha gargante e estômago
Como uma bebida amarga e necessária
Cultivo a dor e a ela me apego.
E ela me consome.

E quando sozinho me afogo em mim mesmo
E nado contra a corrente tentando me livrar de mim
Meus pensamentos tecem uma longa teia
Como uma aranha ao abater sua vítima
E a vítima sou eu.

Nos meus sonos tenho sonhos perturbados
Evito dormir
Deito e durmo de forma consciente
Olhos abertos, cabeça vazia, coração inquieto.

1851

Deitado ao seu lado, bebida em mãos, charuto apoiado na escrivaninha. Ela nunca esteve tão bela. Pálida, sua mão pendia na lateral da cama, o cabelo espalhado pelo travesseiro, o corpo nu iluminado por estreitos raios de luar que entravam pelas frestas da janela de carvalho. Expressão pacífica. Foram gastas algumas horas e garrafas de bebida só admirando aquela face lânguida, sentindo aquele cheiro único, tocando aquela pele sem imperfeições. Eu a amava, sempre amei. Apenas um defeito nos colocara a parte. Seu único defeito. Ela não me quis, apesar de todo meu amor e devoção; há quem diga obsessão. Que pena. Agora seu corpo está ao meu lado, inerte, frio, pálido, lindo. E quando não for mais suficiente tê-la sem vida, imóvel ao lado meu, eu a encontrarei na eternidade.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

O Jardim de Joana

Joana não sabia ao certo o que ainda lhe prendia. Um sentimento, uma lembrança, um suspiro, uma saudade do que não foi. Não sabe se foi o bilhete, o desenho ou a canção que a muito cessou. Mas no seu interior se encontrava a resposta; se via na obrigação de estar sempre livre, sempre pronta à uma segunda chance. O que passou foi breve demais, fugaz demais, poderia ter sido tão mágico! Mas o tempo foi escasso, e se esvaiu dos dedos de Joana. E quantas risadas, quantos carinhos Joana perdeu esperando a diligência do amor, com seu balanço suave, com seu conforto que só! E quantos momentos, e quantas carícias Joana deixou passar naquela espera mórbida, naquele transe emocional em que se colocou. Ah, Joana esperou, era a coisa certa! Inspirou e esperou, não se incomodou. Sem jamais reclamar; nem dores nem paz. E quando, finalmente, chegou o dia em que ela jurou à si mesma que seria de alegria, Joana forçou-se a sorrir. - Mas por que forço o riso? Por que meus músculos faciais não apenas fazem isso, sem o meu comando? Joana não sabia, e sem trégua se perguntava. Olhou para trás, quantas primaveras perdeu, e belos luares! Quis chorar, mas o tempo ressequiu seus olhos e seus sentimentos. Quantas pessoas passaram, quão boas ou não? Quanto não absorveu dos outros, por estar absorta em si mesma e seu ideal? Como não viu antes, como não a tempo; o bilhete estava apagado, o desenho era borrado, a canção, música fúnebre. Joana, em desespero, quis tocar os luares que perdeu, quis virar primavera que não viu. Quis sentar na lua quando minguante, e brotar, ver o sol, de uma jasmim. Joana se esticou, não tocou a lua. Joana se abaixou, não virou flor. Só havia um jeito para Joana. Foi até bem alto ver a lua, sem medo pulou e a alcançou. Nunca foi tão feliz na vida inteira, agora só restava virar flor. Então Joana se despediu da lua, e em sua queda só viu cor. No asfalto perdeu-se em pedaços, cada um deles a mais bela flor.